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Aragem e Tempestade

Comentário de Fina d’Armada

Laureano C. Santos apresenta-nos mais uma obra de produção poética. Mas não se limita a ser mais um livro. “Aragem e Tempestade” é um trabalho de alguém mais amadurecido, com palavras melhor escolhidas, com mensagens que nunca são vagas, com pensamentos transformados em poemas visuais.

Ainda ressaltam as preocupações com o mundo, mas sobressaem os poemas de índole existencial. A morte surge agora como mais uma limitação à liberdade humana, liberdade na qual e para a qual vive o poeta.

Tal como a vida e o mundo, este livro parece uma caminhada que vem de trás e continua para um horizonte sem limites conhecidos. O poeta não é apenas uma molécula do mundo mas da própria vida. Sempre inquieto, busca sempre palavras e sentidos, razões e causas que justifiquem a existência.

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Prefácio

Soa como verdade lapalissiana que um livro ou parte sozinho para a vida ou acompanhado por entidade apresentativa. E neste caso, ou precisou de tal acompanhamento ou não: se precisou, é porque era incapaz, segundo a suposição geral, de andar pelo seu pé; se não precisou, gastou tempo e feitio, porquanto até pode induzir os leitores a acreditarem na necessidade de arrimo.

Ora a disjunção está longe de ser completa. Há os prefácios simplesmente dispensáveis, há-os contraproducentes, por inobjectivos à custa do prurido de uma objectividade baseada em leitura oblíqua ou diagonal; há-os louvaminheiros ou exaltantes, desde os intergrupais ou de elogio mútuo aos individuais espartilhados entre a amizade, o interesse e a verdade, vendilhada não raro pelas lentilhas daqueles; e há-os-dispensáveis ou não, pouco importa-de teor crítico natural e despreconceituoso: são os prefácios-encontro, se me é lícito usar aqui um termo de Gregory Bateson em “Natureza e Espírito”, aplicado por ele à crítica como “história do encontro” com uma obra.

Aragem e Tempestade merece este último, aliás bem escusado por nem sequer se tratar de uma estreia no mundo das letras. Uma vez, porém, que o autor o quis, teria de ser assim. Espírito aberto e independente como as aves da floresta, não toleraria realmente mais nenhum.

Edward Morgan Forster, que nos deixou entre outros livros” A room with a view”, cujo título a filmagem alargou para ” quarto com vista sobre a cidade”, gostava extraordinariamente de viagens, talvez não menos por si mesmas quanto pelos volumes delas resultates. Laureano Santos também é viageiro inveterado; e o seu todo de homem sem fronteiras adquiriu-o sobretudo experiencialmente, primeiro como emigrante em trabalhos duros, depois como emissário convivente da solidariedade, justiça e fraternidade entre os povos.

Nos seus versos, seja os de agora, seja os anteriores, esta temática ressalta ao olhar, traduzindo uma preocupação sincera sem nada de fingimento poético. O seu quarto tem vistas sobre o mundo vário e contrastante, que procura captar em instantâneos emocionais. Instantâneos, sim, ou grãos de senso e ritmo, como me apetecia chamar-lhes. Reconheço, contudo, nem ser o padrinho do neófito nem dever esconjurar o direito paterno à imposição do nome.

“Aragens” há decerto, num leque de quadrantes que,sem esgotar a rosa dos ventos, sopram a gosto e contra-gosto. Na verdade, por culpa de algum registo extemporâneo, falando em termos musicais, a corrente de ar dá, aqui ou além, a impressão de haver palheta solta ou menos convenientemente dedilhada no momento azado. Tempestade é vocabulo hiperbólico que só em psiques resistentes a naturalíssimas divergências de atitude e opinião a leitura de alguns excertos levantaria. De qualquer modo, tempestades em copo de água…ou já em caneco bojudo se por causa de algum tema ou termo dos que a autoridade e saber de Carlos Drummond de Andrade, com aplauso não só meu, profligou na entrevista concedida ao “Jornal do Brasil” em 8 de Agosto findo, precisamente nove dias antes da morte, porquanto em seu entender, “então, a noção de arte, beleza e estética fica prejudicada por esse conceito vulgar de um uso imoderado da linguagem”.

Em 1798, na “Nota Prévia” às Baladas Líricas, escrevia William Wordsworth: “it is the honourable characteristic of poetry that its materials are to be found in every subject which can, interest the human mind”. Assim tem efectivamente sucedido através das idades, com sucessivo alargamento das portas do Maracanã literário e notório abrandamento do rigor nas entradas dos materiais e das pessoas. A confirmá-lo basta recordar os contributos acumulados desde o realismo e naturalismo, sendo justamente de revelar-se a aportação extraordinária de Cesário Verde e de tantas escolas posteriores.

Em Laureano Santos o material não falta nem o interesse humano correspondente. Parece até que, dada a compleição psíquica que o enforma, os temas vêm-lhe espontaneamente ao encontro do estro, dispensando-o de se esfalfar ao encontro deles. Isto constitui destacada positividade, que só ocasionalmente redundará em negativo se o Poeta, expraiando-se confiantemente na intuição, secundarizar a fruição artística como controlo e corpo em equilíbrio. Mas quem se não lembra dos foros de cidadania da escrita automática, com as palavras em liberdade acotovelando-se umas às outras?

Disse uma vez Cecília Meireles que “a arte de amar é exactamente a de ser poeta”. Laureano Santos cita-a nas palavras introdutórias. E eu acho que esta frase, expressando maravilhosamente a visão de privilégio e graça existentes na incidência amorosa, não é menos capaz de exprimir o cerne da poesia, se lida ao contrário. E então, “a arte de ser poeta é exactamente a de amar”- a tudo e a todos, sem bajulação nem preconceitos, sem distinção de idades ou de cores, de “status” ou ideologias. As palavras de Wordsworth traduzem isto mesmo. Ser poeta é amar, irmanar-se enamoradamente de tudo o que é ser, desvelá-lo delicadamente na perspicácia paradoxal do encantamento e conseguir transmitir aos outros essa sedução, essa surpresa, essa descoberta.

Laureano Santos é poeta porque ama. O seu quarto, quiçá mais que o de Forster, é todo janelas escancaradas preferentemente sobre o ser humano- com seus problemas e inquietudes, lutas e racores, desigualdades e clamores de justiça, esmagamentos de consciência e de ideais, vaidades e caprichos, carências e insensibilidades.

E como nunca acreditei nas linhas com que Camilo terminou “A Queda de um Anjo,” faço votos para que o Autor de “Aragem e Tempestade” prossiga caminho e poesia adiante, porque ao mundo dos nossos dias, apesar de planetarimente supercientificado, custa-lhe imenso tomar decisões dignas nas encruzilhadas morais em que ainda se encontra, mais perplexo e vergonhosamente hesitante que o cão da lenda…

Braga, 28.9.87

Amadeu Torres (Castro Gil)

Excertos

MEDO
Eu
tenho
medo
de
ti
sim!

Mas
eu
tenho
medo
de
mim
Também!
Ah!
e
eu
tenho
ainda
mais
medo
de…

NINGUÉM

NASCER

( ao poeta Egas de Bastos )

Eu vim para voltar…
Vou, não vou?
Já que estou
vou ficar!
E saber o que sou
para o que vim
para onde vou
até que o vento me leve
p’ro ventre que m’engendrou
e m’alimentou:
– Ó terra!
Não pedi para nascer
fiz tanto para viver
Resta-me o mais difícil:
– A causa de morrer!

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