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101 Poemas de uma Vida

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Conheça o autor

"Manuel Baptista da Silva nasceu em 31 de Maio de 1910, na freguesia de Novelas, concelho de Penafiel, onde viveu até aos 11 anos de idade. Acabada a instrução primária, foi trabalhar para o Porto, como marçano. Com 13 anos, o seu padrinho-protector manda-o estudar para frade franciscano no colégio de Santo António em Tui-Espanha, onde permanece até aos 21 anos de onde regressa sem ter concluído o seminário. Mais tarde será prefeito e professor de Portuguesa e Latim, no Colégio Nacional do Porto. Em 1934 ingressa na Inspecção Escolar, em Viseu, em 1936 casa-se e no ano seguinte vem para Viana do Castelo. Aqui conhece Alfredo Reguengo, poeta, de quem se torna amigo e que mais tarde será seu companheiro nos calabouços da PIDE por, assim rezava a acusação, pertencerem ao Sector Intelectual do Partido Comunista. Foi demitido da Função Pública e apenas depois do 25 de Abril é que foi readmitido Interpôs recurso: saiu da prisão e a ela voltou, sempre com o amigo Reguengo. Em 52, com o Reguengo e o Aurélio Barbosa, é enviado paras o Forte de Peniche. Colaborou em vários jornais, nomeadamente no AURORA DO LIMA, com poesias, sob o pseudónimo Elmano Vilas (Manoel Silva). Deixou cerca de 3.500 poemas em 11 volumes, encadernados, manuscritos uns, dactilografados outros que até à publicação deste livro nunca quis tornar públicos. (bibliografia adaptada do texto incluído nas badanas do seu livro 101 poemas de uma vida)"
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972-9397-20-1

Prefácio:

Capa

Ilustração

Linhas de Leitura

APRESENTAÇÃO GLOBAL

“101 Poemas de uma vida” inicia-se com três dedicatórias, uma à esposa, companheira de sessenta anos, outra aos seus filhos, netos e bisneto, e, por último, uma que o poeta considera muito especial dedicada ao seu filho Manuel Alberto, pois considera que “sem o seu esforço e empenhamento não teria sido possível a sua publicação”.

Segue-se uma nota do editor, Agostinho Pereira, segundo o qual “a voz deste poeta não merecia ser estrangulada. Nos seus poemas perpassa muito Espírito do povo que somos, os gritos e os sorrisos desta gente, encarnada e assumida na vida do mesmo poeta, que assim, fez desta terra o seu lugar no mundo e na sua voz se plasmam os anseios infindáveis do nosso existir.” De realçar que esta gente e este espírito do povo levam o poeta a enaltecer a paisagem humana e física de entre o Douro e Minho.

Fecha-se esta apresentação crítica do autor e da obra com o prefácio de Alberto Antunes Abreu – “Do soneto ao soneto através do Minho: do discurso poético de Manuel Baptista da Silva”, no qual traça uma breve biografia do poeta e refere “impressiona, porém, o largo uso do soneto na lírica baptistana. Mas neste culto do soneto, se nos vem à ideia a poesia de Camões, é muito mais a temática de Sá de Miranda que encontramos, particularmente viva em “Tardes belas do Lima” e no último terceto de “Lethes do esquecimento”. Mas temos que convir que também Camões versejou sobre o tema horaciano da irreversibilidade do tempo. E acabamos por concluir que, pela força telúrica da sua entrega à áurea mediania duma terra da qual nunca saiu, Baptista da Silva acabou por fazer uma retoma do estro horaciano, sem ter de recorrer a sugestões camonianas ou mirandinas.” Salienta também que este poeta bebeu de Antero, Guerra Junqueiro, João de Deus, António Nobre, Florbela Espanca, entre outros.

O corpo da obra, propriamente dito, encontra-se dividido em seis partes:
“Rústica Verba”, com onze composições poéticas;

“Viana: mar, rio e monte”, com trinta e um poemas;

“Desabafos”, a parte mais extensa, que comporta trinta e nove;

“Pelourinho”, com oito poemas;

“Já tardava”, com três composições poéticas;

“Esparsos”, com onze poemas.

Esta obra fecha com “Agradecimentos” da autoria do poeta, onde salienta o contributo de várias pessoas e instituições para que esta obra se tornasse uma realidade.

As seis partes são ilustradas pelo artista plástico Rui Pinto, que foi o artífice da capa do livro.

LINHAS TEMÁTICAS

Perpassam “101 Poemas de uma vida”, dez linhas temáticas que, por vezes, se entrecruzam:

· Paisagem física e humana de entre Douro e Minho

· Reminiscências do passado (infância e adolescência)

· Poemas de opressão/revolta

· Fugacidade/irreversibilidade do tempo

· Destino

· Desalento

· Eu/outro(s)

· Desigualdades sociais

· Liberdade

· Poemas dispersos

Paisagem física e humana de entre Douro e Minho.

Logo nas primeiras partes estruturantes da obra – “Rústica verba” e “Viana: mar, rio e monte” – o leitor é confrontado com a beleza singular da paisagem e das gentes do Minho. Faz-se uma espécie de canto épico, onde o sujeito poético enaltece e glorifica um povo que se orgulha das suas tradições e da sua história. Passeiam pelos olhos do leitor as romarias ( “No Minho” e “Romarias”); as actividades do campo e do mar ( “Desfolhadas ao luar…”, O Campo”, “As Sementeiras”, “A Ceifa” e “É d’Agora, viva!…”); os instrumentos agrícolas (“A Enxada”); a ida à fonte (“A Fonte”), o “Correio da Aldeia”. Todo este quadro pictórico traz à lembrança do leitor as belas poesias trovadorescas, em particular na referência às romarias, à fonte e ao mar.

Em Viana: mar, rio e monte, o sujeito poético apresenta-nos uma riqueza pictórica e cromática, caracterizadora do Minho. Logo no primeiro poema “Se gostas da beleza vem ao Minho!”, há um convite a todos aqueles que gostam da Beleza a visitarem o Minho, mais propriamente Viana, onde “As veigas são jardins, mantas de cor,/ e os pratos afamados, de comidas,/ tudo te dá o Minho encantador…”

Os poemas “O Minho”, “O Minho, terra sem par”, “O Minho… é um jardim, lugar de encanto” dão-nos uma panorâmica geral, de pendor descritivo, de uma paisagem singular – “Paraíso sem par, feito por Deus” (“O Minho”), “Melhor não há, por certo, nem igual!/Aqui nasceu, um dia, Portugal,/E berço foi talvez da Criação” (“O Minho… terra sem par”. Do mesmo modo, as gentes do Minho também são o reflexo desta paisagem e das suas cores – “E verás as moçoilas mais garridas,/ nos trajes mais louçãos e no seu porte…” (“Se gostas da beleza vem ao Minho!”), “O Minho é variegado, como um lenço/e fato vianês, traje a rigor,/em que a própria algibeira diz “Amor”/e o amor, nos corações, é forte e denso…” (“O Minho… é um jardim, lugar de encanto”). Num tom hiperbólico, o sujeito poético glorifica Deus, “pai de toda a criatura”, pelos “dons tão raros” com que dotou este “Minho encantado, terra de ventura!”, “Tu és como o altar dentro da igreja/ – Sacrário dum país que é só Beleza!… (“Glória a Deus”).

Descentralizando deste plano mais geral, parte para um plano médio, em que coloca o leitor no cimo do monte de Santa Luzia, onde os seus olhos “se embriagam com prazer” de toda esta paisagem ( mar, rio, campos, ar puro), onde “- Neste cenário, o próprio ateu é crente!” (“Santa Luzia… neste cenário”). Deste ponto cimeiro dislumbra-se a cidade e a “polícroma e garrida: – Vila Fria,/Meadela, Deão, a serrania,/ e Darque que do Lima se alevanta…// Surge depois, a Veiga multicor/ da Areosa, Carreço e Montedor,/ e a cercadura azul de céu e mar…”. O sujeito poético concluiu que perante beleza sem par “esteja a dormir… e a sonhar!” (“Panorama de sonho”)

Num plano de pormenor, descreve-nos a “Ribeira”, com as suas “ruas escuras, velhas, rente ao mar…”, em que impera a pobreza quando lhe falta o peixe ou a sardinha e “teus filhos andam tristes pelas ruas…”. Estes pescadores, “velhos lobos do mar”, têm que se contentar “com pesca junto à costa:/sardinha de que o povo tanto gosta/mas quanta vez o mar é vossa cova!…” (“O Pescador”).

Esta Ribeira transfigura-se em “É festa na Ribeira”, onde os seus habitantes esquecem a miséria dos dias menos bons, porque sai à rua a Senhora da Agonia,” que, para o Pescador, é Luz e Guia/e faz do mar irado lisa estrada!…”. Perante a devoção à sua padroeira, o pescador “mostra bem quanto honor, há na pobreza/do Pescador humilde… rico de alma!…”. Esta Senhora é “o Farol que os alumia/e os livra de perigos e temores…”, por isso, a sua imagem os acompanha “buscando o pão diário, que é o peixe…” (“Senhora da Agonia”).

Esta “Romaria d’Agonia” traz “um mar de gente” à Ribeira Lima, onde é descrita toda a azáfama própria da festa com o seu lindo fogo, a Serenata do Lima, a cachoeira, as rusgas, as tocatas, os Zés-P’reiras, o traje à vianesa, o harmónio e… o Verde Vinho (“Senhora da Agonia”).

Em “Lethes” fala-nos da magia deste rio de origem mitológica, que “prendes quem ouse para ti olhar…/olhei-te um dia, e o efeito vi-o:/não mais Viana consegui deixar…”.este Lethes, por vezes, transfigurava-se em “negro Averno”, pois no seu leito “ficaram a dormir sono eterno” muitos daqueles que se aventuraram nas suas águas. O Lethes do esquecimento também foi o Lethes de sofrimento, mar de mágoas (“Lethes do esquecimento”).

Neste quadro pictórico e cromático, surge-nos o Papanata, as Azenhas de D. Prior que trazem à memória de sujeito poético a beleza do outrora e a desilusão do presente (“Papanata” e “Azenhas de D. Prior”).

Esta “Princesa” de outrora coroou-se de “Rainha” – “Princesa foste e és Rainha agora!// (…) / O mundo inteiro rende justo preito/à tua corte de Beleza e Arte… (“Rainha”).
Feita esta descrição exaustiva, o sujeito poético concluiu “Não sei que mais dizer de ti, Viana,/ pois, já tanto escrevi, já tanto disse!…/ É tal o teu encanto e garridice/ que, quem te diz Rainha, não se engana!…(“Não sei que mais dizer…”).

Reminiscências do passado (infância e adolescência)

Na terceira parte do livro, “Desabafos”, encontramos a temática da reminiscência da infância, de pendor autobiográfico, o sujeito poético, logo no poema de abertura (“Viana”), confessa que “Não foi o Minho que me viu nascer”, embora “Aqui, meus filhos, vi nascer, crescer,”, concluindo, no último terceto, “Mas, tudo prende a minha vida, agora,/à linda terra que a minha alma adora,/esta Viana que me abriu os braços!…”, a qual toma como adoptiva (“Terra minha adoptiva”). Em vários poemas refere que, embora tenha sido criança, nunca foi menino -“Nunca fui menino”-, acrescentando “Renego a minha vida, em triste infância” (“A minha infância”), onde nos dá a conhecer a dureza da sua vida por viver no seio de uma família pobre. A sua infância foi feita de trabalhos, ligados à rudeza do campo (“A Nora”).

Este tema, reminiscências do passado, aparece intimamente relacionado com o tema opressão/revolta.

Poemas de opressão/revolta

No âmbito desta linha temática, num tom memorialista, recorda os tempos passados na prisão, período anterior ao 25 de Abril, “em que os esbirros, com a voz grunhida/vinham buscar-me para luta inglória…” (“A minha prisão” e “Assim foi…”). Compara o seu fadado destino ao de Bocage ou Camões “a penar pelos crimes que não tive:/Apenas por lutar pela Liberdade.” (“Não me quero lembrar dos tempos idos”). Não há mal que sempre dure, por isso surge e louva-se o valor da Liberdade.

Liberdade

Esta Liberdade tão desejada encontra-se presente no quinto momento deste livro – “Já tardava” – em que, tal como Camões faz no seu poema épico, elege o Povo como herói colectivo, o qual “perde o medo ao algoz e aos carcereiros…/Não mais em Portugal haverá escravos!…”. É o grito do Ipiranga (“Chegou a hora” e “25 de Abril”). No poema “Liberdade e justiça”, considera que estes dois valores andam de mãos dadas, contrapondo-os à injustiça e à “Inquisição” do pretérito.

Fugacidade/irreversibilidade do tempo/destino

Esta temática está presente na terceira parte do livro, “Desabafos”. O sujeito poético, num tom lamentoso, consciencializa-se da passagem do tempo e, apesar de todas as adversidades do passado, recorda-o com saudade, nomeadamente as noites frias junto à lareira “noites de encanto, que não voltam mais!…” (“Noites de Inverno de agora… e d’outrora”). No poema “Velhinhos” afirma que “A morte é certa, e a voraz ceifeira/não distingue entre um velho e um querubim”.

Se o sujeito poético pudesse viver como queria, não o faria “No bulício do mundo”, mas “A solidão, apenas, escolhia” (“Amo a solidão”). No soneto “Ninguém foge ao destino” confidencia-nos que “Tentei fugir assim ao mar da vida”, concluindo que “nem assim escapei à minha estrela…/Ninguém, no mundo, foge ao seu destino!…”. Esta não foi a vida que para si ambicionou. E num tom pessimista e hiperbólico, confessa “Das penas que sofri, enchia o Nilo;/ com as minhas venturas o secava…” (“Aparências que enganam”).

Nos poemas “Meus passos vagarosos”, “A vida é só de instantes”, “O meu retrato”, “Andei caminhos”, “Que me resta agora?!…”, “Saiba morrer” , “Secou a fonte”, “Andei caminhos”, “Espero”…, reflectindo sobre a irreversibilidade do tempo, dá-se conta de que “Quem muito andou tem pouco para andar”.

Desalento

Esta temática também se encontra na terceira parte do livro. No soneto “Nunca soube mentir”, o sujeito poético exprime o seu desencanto, mas orgulho, devido ao facto de nunca ter sabido mentir, referindo que “p’ra que não minta, deixo de falar…”, acrescentando “e, cá por dentro, sou um revoltado/porque ou me calo ou digo quanto sinto!…”. Considera-se impotente perante a força do destino que se traduz no desalento “Deixo cair os braços de cansado!…” (“Impotência” e “Com nada,… me contento”). No soneto “Velho roble” compara-se com esta árvore, que com a passagem do tempo, teima em permanecer em pé, embora o sujeito poético afirme que “perdi a confiança e toda a fé/no que valho… se alguma coisa valho!…”. Esta temática atinge o seu apogeu no poema “Desalento” e “Epitáfio”, em que, tal Camões, “Trabalhou toda a vida e morreu pobre!” e, ao estilo bocagiano, afirma “Saiba morrer, o que viver não soube!…” (“Saiba morrer”).

Eu/outro(s)

Ainda na terceira parte do livro, somos confrontados com a temática Eu/outro(s), onde o sujeito poético se intitula “um pobre louco com juízo”, considerando que “Se aos que mandam matar chamamos sãos,/ eu, então, sou um doido verdadeiro!…” (“Sou um pobre louco com juízo”). Gostava de outrar-se “p’ra ver se todos pensam ao meu jeito…” e “Queria, sendo “eu”, ter outra mente,” (“Queria, sendo eu, ser também outro” e “Pareço duro”). Nesta relação eu/outros, concebe-se “igual a todos … e a nenhum!…” (“Igual a todos e a nenhum”). Andou atrás de si para se encontrar, mas encontrava-se perdido de si mesmo. Porém, Deus “me encontrou entre a aspereza/do mundo, porque Deus de mim sabia…/Chamou-me, então, e pôs-me à sua Mesa…”. O sujeito poético não se encontrou em si mesmo nem nos outros, mas reconcilia-se consigo na reconciliação com Deus (“Deus me encontrou” e “Sou Retornado”).

Desigualdades sociais

Na quarta parte do livro, “Pelourinho”, considera que “Há justiça, Justiça e há JUSTIÇA.”, em que a primeira aparece com os olhos vendados, “e usa balança e pesos viciados”; a segunda, “faz, quantas vezes, do direito torto”, mas a terceira e última, embora seja aquela que “só tarde venha à luz” é a mais justa, porque é divina. Nos poemas “Verdade e mentira”, “A Cartola”, “A pedincha”, “Abri vossos olhos argentários”, “Esta vida é dita dura” trilham a mesma temática das desigualdades sociais.

Poemas dispersos

Esta temática ocupa o último momento do livro, “Esparsos”, onde o sujeito poético reflecte sobre o valor da poesia, da humildade e da beleza. No poema “Florbela, bela flor” enaltece esta grande poetisa, considerando a poesia desta som saído de lira, “puro encanto,/com trilos de inspirado rouxinol”, contrapondo-a com a sua “avena rude”. O poema “Entardecer” é dedicada à sua mulher.
Nos poemas “Cantam salmos” e “A lição do presépio”, de feição bíblica”, revela-nos em jeito de conclusão que, apesar de tudo, a vida vale a pena e merece ser cantada, pois até o próprio “Rei de todo o Universo” nasceu pobre e padeceu, mas sempre pregou uma doutrina de amor, justiça e perdão.

Prefácio

NOTA DO EDITOR

Alguns poemas que são o conteúdo desta obra e outros mais, ditos publicamente, suscitaram um movimento entre as gentes de Viana para que aparecessem em letra de forma, de forma a que todos pudessem saborear a seiva que neles corre: Fizeram-se vários desafios e, inclusivamente, lançaram-se algumas insinuações às instituições culturais do Concelho, no sentido de tomarem a seu cargo a edição de alguns poemas de Manuel Baptista da Silva. E evidente que sendo a actividade do Centro de Estudos Regionais meramente exercida em regime de voluntariado, o que planificamos e realizamos resulta do esforço pessoal que cada associado empenha, mas realizações há em que, para além dessa tributação pessoal, necessários se fazem os meios financeiros. Pareceu-nos, no entanto, que a voz deste poeta não merecia ser estrangulada. Nos seus poemas perpassa muito o Espírito do Povo que somos, os gritos e os sorrisos desta gente, encarnada e assumida na vida do mesmo poeta, que assim, fez desta terra o seu lugar no mundo e na sua voz se plasmam os anseios infindáveis do nosso existir. Negar a existência deste cantar o que existimos era para nós o absurdo do que somos como instituição. Os versos necessitam de ser lidos para serem poemas. Os poemas só o são quando metidos na gente. Crescia em nós a angústia. Felizmente a Câmara Municipal entendeu também o valor desta poesia e decidiu associar-se a esta edição. Sem o patrocínio dispendido não teríamos a possibilidade de editar este conjunto de poemas e tal gesto é louvável porque permite aos cidadãos assumirem as suas realizações em prol da colectividade, num campo onde o poder político deve ser cuidadoso na sua intervenção. A cultura deve ser o fluir e refluir da comunidade em diálogo consigo mesma, possibilitando o poder político a gestação de condições para que o diálogo aconteça entre os cidadãos. Foi isso que aconteceu. Neste caso, criadas foram as condições para que a comunidade pudesse partilhar a poesia e a nós restava accionar os mecanismos para que o poeta aparecesse entre nós. Em nome do Centro de Estudos Regionais, uma palavra de apreço à Câmara Municipal pelo apoio prestado. Manuel Baptista da Silva era poeta mas, com esta edição, passou a ser poeta nosso. Os seus poemas são agora partilhados por todos e, por isso, porque fazemos poemas nos seus poemas, é nosso poeta. E o que faz a partilha dos actos culturais: liga-nos e torna-nos pertença de todos. E nisto que os actos se valorizam. Valorizada e profundamente dimensionada a nossa alma de vianenses pelas palavras do poeta, acredita o Centro de Estudos Regionais que com esta edição possibilita outros redimensionamentos e valorizações pelas apropriações que cada leitor fizer da poesia que destas páginas emana. Ao poeta, agora nosso poeta, os meus agradecimentos. Na poesia cresce um povo quando em cada um acontece o poema. E preciso fazê-lo acontecer.

Agostinho Pereira

DO SONETO AO SONETO ATRAVÉS DO MINHO
do discurso poético de Manuel Baptista da Silva

1. Nascido numa aldeia de Penafiel em 1910, enxertado na vida portuense onde se viu obrigado a exercer uma actividade profissional aos 21 anos para sobreviver, funcionário público na província beirã e alto-minhota, Manuel Baptista da Silva pertence à geração dos homens que fizeram o nosso neo-realismo, ao mesmo tempo que uns Outros prosseguiam na renovação iniciada em 1927 pela Presença. Tal como muitos outros da sua geração, Baptista da Silva, que “nunca pôde ser menino”, foi arrancado à miséria da província da vida de família por um protector. E, como a outros também sucedeu, foi na vida eclesiástica que lhe descobriram o meio de romper o ciclo atávico da dependência rural. Só que, ao abandonar os estudos eclesiásticos, não teve oportunidade de ingressar na Universidade de Coimbra como Torga ou Vergílio Ferreira. E não ultrapassou a formação liceal, como aconteceu a tantos outros homens da sua geração que também deixaram o nome ligado às letras. Como tantos deles também, foi nos jornais que desabafou a sua ânsia de comunicar literariamente. E, como tantos que, por isso, as histórias da literatura portuguesa não referem, nunca passou das páginas dos periódicos de vida efémera para a obra de tomo a conservar numa estante. É uma tarefa que urge fazer, por justiça para com tantos destes homens a quem a sorte negou a impressão em livro; por justiça mas também para proveito nosso e das letras pátrias, urge desenterrar das hemerotecas enquanto a acidez lhes não destruir os tesouros, revelar ao público e estudar estes poetas. Que não é o livro que faz os poetas provam-no os exemplos históricos de Cesário e Pessoa (aquele, que nunca acariciou as páginas de um livro seu, este que de um só viu a lombada). E que este trabalho de pesquisa é gratificante aí estão os exemplos de Alfredo Reguengo, Salvato Feijó, João da Rocha ou Maria Emília de Vasconcelos (e só estou a referir vianenses) para o provar. Esta tarefa benemerente a está fazendo, com este livro, Manuel Alberto Folgado Baptista da Silva, que, até por ter acesso à gaveta do pai (e oxalá que lá possa ir por muito tempo), pôde seleccionar, num universo que ele calcula em três mil e quinhentos poemas, um centena, onde figuram muitos inéditos, que assim vêm a público e se livram do risco de serem vítimas dum acesso de hipercriticismo, tão vulgar e recorrente no comportamento dos escritores. Manuel Alberto Silva fica, assim, credor da nossa gratidão, para além da que muito justamente lhe tributará seu pai. É que a poesia de Manuel Baptista da Silva é mais um dos tesouros a que acima me referi, digna de emparceirar com tantos homens conhecidos ou desconhecidos, divulgados ou ignorados, da “geração dos poetas de páginas de periódico”.

2. Dotado apenas de estudos liceais mas realizados em Tui, Baptista da Silva não se pode dizer que tenha beneficiado duma aprendizagem da poética em simultâneo com o aprendizado da língua materna. A poesia aprendeu-a necessariamente na leitura dos outros poetas. Recorrendo a uma listagem de autores por ele mesmo fornecida ao filho, verifica-se que nela não encontramos os abencerragens clássicos e medievais que constituem referentes de tantos outros poetas. Tirando Camões e Gil Vicente, Baptista da Silva não se reclama de escritores muito para além do final do século XIX. Impressiona, porém, o largo uso do soneto na lírica baptistana. Mas neste culto do soneto, se nos vem à ideia a poesia de Camões, é muito mais a temática de Sá de Miranda que encontramos, particularmente viva em “Tardes belas do Lima” e no último terceto de “Lethes do esquecimento”. Mas temos de convir que também Camões versejou sobre o tema horaciano da irreversibilidade do tempo. E acabamos por concluir que, pela força telúrica da sua entrega à áurea mediania duma terra da qual nunca saíu, Baptista da Silva acabou por fazer uma retoma do estro horaciano, sem ter de recorrer a sugestões camonianas ou mirandinas. O nosso poeta reclama-se também de Antero. Mas só os poemas mais pessimistas nos podem sugerir o poeta micaelense, porque Baptista da Silva é poeta que mais facilmente se deixa embalar em sugestões fónicas. E aqui ressalta a influência de Guerra Junqueiro, de quem ele, aliás, se reclama, e que podemos considerar responsável pela musicalidade de tantos versos, até de arte maior, de poemas inteiros, como “No Minho” e “Romaria”, para me limitar a dois exemplos apenas. Mas a busca do ritmo e da sonoridade levou o poeta mais longe, a liberdades quase garrettianas, como a de usar metros e esquemas estróficos diversos no mesmo poema, como com êxito fez outro dos émulos de Silva, o grande João de Deus. Mas a atenção aos próprios problemas e o dramatismo com que os encara cultivou-os Baptista da Silva na leitura de António Nobre, de Florbela ou do seu contemporâneo José Duro. É evidente que não se minimiza um poeta apontando as suas fontes. Camões não seria maior, se não tivesse lido Petrarca, nem este, se não tivesse seguido as pisadas de Dante. Um poeta é tanto mais original quanto mais diversificado for o leque de sugestões de leitura de que tiver beneficiado. E tanto mais livre, por isso, de seguir o seu caminho. Sem dúvida que, leitor atento dos homens da sua geração. Baptista da Silva também leu, além de Régio e de Torga, Álvaro Feijó. Mas não foi no neo-realismo que se fixou, embora lhe tivesse em parte e em certo tempo comungado a ideologia. Esta, o apego à terra, a musicalidade do verso, encontramo-la igualmente em Alfredo Reguengo, com quem privou desde o tempo em que foram colegas na Inspecção Escolar de Viana do Castelo. Com ele, fez poesia regionalista, e facilmente Reguengo nos vem à ideia quando lemos alguns poemas desta recolha, como “Desfolhadas ao luar”, “Ceifa”, “É d’agora, viva!” ou “A fonte”. Em todos eles, o mesmo verso curto, a mesma rima fácil e natural, em que os versos fluem ao ritmo dos regatos cantantes e irrequietos da primavera minhota. Mas também o simbolismo terminal da geração de Augusto Gil e Afonso Lopes Vieira e António Correia de Oliveira que Baptista da Silva se esqueceu de referir, se calhar porque fazia versos aqui mesmo ao lado em S. Paio de Antas. Manuel Baptista da Silva percorreu todos estes caminhos, só ou na companhia do amigo da Meadela. Mas regressou ao soneto. Não ao soneto camoniano nem do Bocage, mas a uma poética de reflexão e didáctica, que nos faz pensar, sem dúvida em Antero, mas que se fica muito mais por um horacianismo temperado pelo limiano-arrábido Frei Agostinho da Cruz.

3. O soneto é uma forma poética que foi introduzida em Portugal por Sã de Miranda para se tomar (graças primeiro a Camões e depois a outros poetas de excepção como Bocage e Antero de Quental) uma forma recorrentemente privilegiada para os nossos poetas verterem o seu lirismo. É, tal como veio da sua matriz italiana, urna composição de 14 versos decassilábicos distribuíveis por duas quadras e dois tercetos. No uso português, estes versos, podendo ser de cadência 4-8-10 ou 6-10, acabaram por se fixar no segundo esquema, graças a Camões, verdadeiro mestre do decassílabo heroico, com todos os seus muitos sonetos e os 8824 versos d’Os Lusíadas. Obra do renascimento, o soneto obrigava o poeta a exercícios estritos e estreitos de composição do discurso e jogo das palavras, não tão exigente como o da sextina, mas muito superior às tradicionais cantigas e vilancetes. Foi este rigor, esta disciplina que Sá de Miranda trouxe para Portugal. Tanta ela era, que o esquema rimático assentava sobre apenas quatro rimas, interpoladas nas quadras (ABBA-ABBA) E emparelhadas-interpoladas nos tercetos (CCD-DDC). Discursivamente, pretendia-se que o último verso, de cadência sem defeito, encerrasse um pensamento elevado. É o que encontramos em Camões. Mas foi a partir deste último conceito que as coisas mudaram. Os barrocos propuseram a tópica da “chave” relativamente aos tercetos, que encerrariam conceituosamente a ideia explanada nas quadras, que seriam a respectiva “cama”. O racionalismo ilustrado, rejeitando muito embora o conceptualismo barroco, acabou por o institucionalizar, ao assimilar o soneto ao silogismo, cuja “maior” era constituída pela primeira quadra e a “menor” pela segunda: uma escolástica prosódica para satisfazer uma tópica. Era o tempo do soneto filosófico, que Bocage começou por cultivar, para de todo o reformar e lhe emprestar nova vida. Em Elmano, o soneto adquiriu uma linguagem fácil, uma rima e uma cadência naturais. E assim chegamos a Antero, émulo dos iluministas no conceito e dos elmanistas na lhaneza do discurso. Mas que também a conseguiu através de inovações no plano fónico, nomeadamente pela adopção do esquema rimático CCD-EED nos tercetos ao mesmo tempo que impunha ao discurso um tom de gravidade e autenticidade num estilo particularmente sóbrio. Este excurso historico-literário vem a propósito de Manuel Baptista da Silva, que se situa precisamente nesta ordem de evolução. Mas não podemos esquecer também o contributo parnasiano com as suas renovações rimáticas. Serve-se ele do soneto para as suas excursões líricas. Mas o seu lirismo é descritivo quando nos apresenta a paisagem física e humana do Entre Douro e Minho e narrativo quando fala de si. O tema pode ser lírico, que o discurso, ele, é sempre épico. Épico, não por ser heróico, mas por o poeta se distanciar a si mesmo e distanciar o discurso do universo versado (e versejado). De facto, o sinal de pontuação mais usado nestes poemas é o indicador da interrupção do discurso narrativo/descritivo: as reticências. E, de facto, há mesmo sonetos onde as reticências seccionam a sequência sintagmática transformando-a numa justaposição de topói à maneira impressionista. Mas não simbolista, não obstante a leitura de Pessanha… É que as reticências separam sintagmas e não palavras, muito embora às vezes a uma só se reduzam: Nobre está muito mais presente e, através dele, Florbela, do que Pessanha ou Pessoa… Concorre também para a epicidade do discurso a concordância entre a sintaxe e a métrica, com praticamente total ausência do “enjambement”: o discurso diz o que as palavras significam. O lirismo de Manuel Baptista da Silva é, volto ao começo, prioritariamente fónico: é o verso curto que reproduz o ritmo cantante do Minho e o endecassílabo utilizado para a reflexão (mais lírica que filosófica, não obstante o epicismo do estilo); é a consonância rimática que condiz com as coisas, a onomatopeia, a aliteração expressiva; é, enfim, a variedade de rimas que, no soneto, foi mesmo além das inovações parnasianas. Com efeito, Baptista da Silva, utiliza nas quadras dois esquemas rimáticos: o interpolado tão do agrado do conceptismo renascentista mais o cruzado, que condiz com os ritmos bino-ternários das nossas danças tradicionais. E, com o esquema EEF-GGF dos tercetos, Baptista da Silva consegue o arrojo de compor sonetos de 7 rimas, quando Petrarca não tinha ido além de quatro: perdeu em conceito, mas ganhou em musicalidade. E foi neste esquema discursivo fono-semântico que, ao longo de 60 anos, Manuel Baptista da Silva escreveu para nós: nos anos trinta, exprimindo o seu entusiamo, adesão e comprometimento com os homens e a paisagem minhota; nos anos cinquenta, a sua resistência (política e não só); na década de sessenta produzindo as reflexões da sua senectude seneciana; hoje nos deixa em testamento a recordação amarga da infância e o misticismo de quem, parafraseando S. João, sabe que regressa a Deus, porque recuperou a consciência de que foi de Lá que veio.

Viana do Castelo, 1996 Maio 13.

Alberto A. Abreu

Excertos

ROMARIAS

É festa na aldeia — Domingo de festa! —
Estoiram foguetes, mal rompe a alvorada
e, desde os solares, à casa modesta,
há riso e alegria que os enche e atesta,
e há mesa mais farta e toalha lavada…

Zés P’reiras, ribombam e atroam o espaço,
chamando o povinho p’ra festa da igreja…
Ribombam… ribombam… Não sentem cansaço,
nem bombos nem homens! Que forte é o braço
que sobe e que desce, num som que troveja!…

Percorrem as ruas todinhas, a eito,
rufando nas caixas zumbando no bombo,
batendo com força, de rijo, a preceito,
sem medo que fique com queixa de peito,
ou lhe abra um buraco na pele, ou um rombo…

E o povo começa a descer dos povoados,
em grupos, em ranchos cantando e bailando:
vêm moços robustos, morenos, tostados,
e frescas moçoilas, de rostos corados,
com sol dentro da alma, nos olhos brilhando…

Os trajes garridos, alacres, são gritos
saltando de peitos que sangram amor;
são notas alegres, em corpos aflitos,
que rezam, que imploram, ou choram delitos,
pecados vermelhos, tornados em dor…

Repicam os sinos na torre da aldeia,
com sons encantados e vozes de prata…
No adro e nas ruas, ao lado, as doceiras
tentando os olhares das moças faceiras,
descobrem os doces, branquinhos de nata…

Há pipas de vinho, a espumar em cachão,
cobertas com ramos de verde carvalho…
e os copos e as malgas sorriem, na mão
dos rudes campónios, que têm devoção
p’lo vinho, que é o sangue e o suor do trabalho…

Ao som das violas, nas sombras virentes
de robles já velhos, senis, centenários,
há danças, com pares felizes, contentes,
saltando, virando, dançando frementes,
qual alma, na terra, cumprindo fadário…

E os sinos repicam… Rebentam morteiros…
A música, chega trazendo os mordomos,
alegres, impantes, que vêem altaneiros,
no povo, os escravos e, em si, os roceiros…

…………………………………………………..

O Sol, no infinito,
é um lume de brasas,
com asas
que, mais rápido ainda, que um grito
alucinado,
desce
e aquece
e atravessa,
o mármore do corpo bronzeado…

…………………………………………………..

Param as danças, param as cantigas
e, como se nos pés tivessem molas,
tanto os rapazes como as raparigas,
engrossam, num instante, a multidão…

Vai saindo a procissão…
Abre-a um Cristo, pregado numa Cruz,
exânime e absorto e pensativo,
reverberando ao Sol
mil cambiantes de luz
que, sobre a multidão,
a flux se espalha…

Seguem-se os anjos, dum garrido vivo,
ou de pálidas cores de mortalha…
E os andores, pequenas catedrais,
ou torres de Colónia em miniatura,
com floridos rendados manuelinos,
e caprichosas curvas ogivais,
levando, em baldaquinos,
as imagens dos santos populares,
aos ombros de robustos camponeses,
vão saindo os umbrais
da igrejinha da aldeia, tão modesta,
mas que não tem rival, para uma festa,
no dizer dessa gente
que a tem há tantos anos frequentado
e que não mente…

Os Zés P’reiras rufando
e zabumbando, rata-plão, rata-plão,
abrem o caminho pela aldeia fora…

….E segue a procissão…..

Debaixo do Pálio, a que pega a nobreza
(nobreza, na aldeia, só de alma é que existe!),
o cura, sustenta nas mãos, com firmeza,
a imagem de Cristo, consolo do triste,
e benze com ela, esse povo que reza…

O cura, velhinho, curvado, por anos
de enormes jejuns e virtudes cristãs,
sorri para todos os seus paroquianos,
sorriso que é bênção à sombra das cãs,
e os deixa felizes, contentes e ufanos…

Cai a bênção de Deus sobre essa gente
nas margens do caminho ajoelhada,
reverente,
sobre esse povo folgazão e alegre,
mas pio e crente;
almas eleitas,
rudes e simples como a flor dos montes,
como cai, sobre a messe ressequida,
a água das fontes, que é vida que vai dar vida,
matando a sede às colheitas…

…………………………………………………..

E a procissão continua!..
Vai dar a volta ao povoado…
Seguindo de rua em rua,
por sob arcos de verdura,
do verde mais perfumado,
— enquanto o fogo estraleja
pela altura,
com o fulgor de trovões —
regressa, afinal, à igreja,
com salmódias, latins e cantochões…
E o povo, que então, rezava,
piedoso, devoto e crente,
e no pó se ajoelhava
humildemente,
desanda em massa,
levando na alma, acordes de alegria…

…………………………………………………..

Toca a viola plangente…
Junta-se gente e mais gente,
quase toda a romaria…
Arma-se roda e perpassa
por todos, tal frenesi,
que se diria
que, um vento de loucura,
endoideceu aquela multidão
pondo-a fora de si,
pois, sem tardança,
tudo se agarra, tudo se abraça,
tudo salta, tudo pula, e tudo dança
e tudo delira
nas voltas do vira…

Mas, a noite, baixando lentamente,
como um crepe mortuário, que se lança
sobre um corpo que desce à sepultura,
vai encobrindo os últimos rubores
do dia, que, cansado, já consente
em ceder o lugar à noite escura…

…………………………………………………..

Calaram-se as violas!… Pára a dança!…
Soam Trindades, compassadamente…
— “Um Anjo do Senhor anunciou…
— “Avé-Maria…” — rezam bocas mil,
num frenesi de ninhos cheios de asas,
nos matagais em flor, no mês de Abril…
…. e depois, lá se vão p’ra suas casas….

…………………………………………………..

Já nem sinal
de tanto povo, dessa mó de gente,
que enchia o adro tão completamente,
num bru-à-à sem nome e sem igual!…
Apenas, de quando em quando
e longe a longe,
sentimos o murmúrio de orações,
que tanto pode vir da boca de algum monge
rezando,
como dos corações
de um par de namorados,
ou do beijo que o dia
deu na boca da noite que se abria!! !…

………………………………………………….

Rasga-se o véu da noite, em mil bocados,
esse véu de negrume sepulcral,
e a lua cheia,
distende sobre a terra, um manto de cristal…
….E assim termina a festa, lá na aldeia…

1938

SE GOSTAS DA BELEZA VEM AO MINHO!

Se gostas da Beleza vem daí!
Dá um salto a Viana, ao verde Minho,
e acharás cheiro ao mar e verde pinho
e, nos montes, a ermida que sorri…

A vinha e o “enforcado” aqui e ali,
produzem o famoso verde vinho,
e aves, em verdes ramos, fazem ninho,
e a poluição ainda mal senti…

Se gostas da Beleza, vem ao Norte,
e verás as moçoilas mais garridas,
nos trajes mais louçãos e no seu porte…

As veigas são jardins, mantas de cor,
e os pratos afamados, de comidas,
tudo te dá o Minho encantador…

1985

PANORAMA DE SONHO

Subindo a estrada da Montanha Santa,
o meu olhar, aos poucos, se extasia…
casam-se os tons de cor em sinfonia
e quanto mais eu subo mais me encanta…

Alonga-se a cidade e surge manta
polícroma e garrida: — Vila Fria,
Meadela, Deão, a serrania,
e Darque que do Lima se alevanta…

Surge depois, a Veiga multicor
da Areosa, Carreço e Montedor,
e a cercadura azul do céu e mar…

Espraiando os meus olhos na paisagem,
tenho medo de tudo ser miragem
e que esteja a dormir… e a sonhar!

1964

RIBEIRA

Ruas escuras, velhas, rente ao mar…
uase que em cada porta, uma legenda,
com foros quer de história, quer de lenda,
que sabe bem, à noite, ouvir contar…

Ruas estreitas; vidas mais estreitas.
Cheira a sal, cheira a mar, cheira a pescado…
Pouco do que era antigo, está mudado:
O mesmo barco, e redes ali feitas…

Ribeira da minha terra, tão pobrinha,
quando te falta o peixe ou a sardinha,
teus filhos andam tristes pelas ruas…

E a fome, ronda, então, às tuas portas
e, candeias a arder, a horas mortas,
recortam sombras, nas janelas fluas…

1962

LETHES DO ESQUECIMENTO

Lethes do esquecimento te chamaram,
Rio calmo e sereno como um lago,
e às sombras que te beijam, num afago,
muitos vates te cantam e cantaram…

Houve aqueles, porém, que em tuas águas
ficaram a dormir o sono eterno.
Para esses, tu foste o negro Averno;
Lethes de sofrimento; mar de mágoas…

Lethes do esquecimento e sofrimento,
espelho de águas claras e serenas,
e dos males da vida sobre a terra…

Logo atrás do prazer, vem o tormento,
atrás das alegrias, vêm as penas
e, na cauda da paz, caminha a guerra…

1967

SENHORA DA AGONIA

Andam já os Zés-P’reiras, pela rua,
chamando, todo o Povo, à Romaria!…
Prepara-te, Manel, a festa é tua!
Traz a tua cachopa, e te associa!…

Que ela envergue o seu traje à Vianesa
que lhe empresta donaire e, até mais graça,
e dá cor, alegria e tal beleza
que, a muitas das amigas, ultrapassa!…

Não te esqueças, também, traz o harmónio
para mais animar a Romaria
que é, por certo, a melhor do Alto Minho!…

O jardim, deve ser um pandemónio!
mas, maior, o do Campo da Agonia,
onde abunda o barulho e o Verde-Vinho!

1996

NÃO SEI QUE MAIS DIZER…

Não sei que mais dizer de ti, Viana,
pois, já tanto escrevi, já tanto disse!…
É tal o teu encanto e garridice
que, quem te diz Rainha, não se engana!…

Princesa foste, simples, bela, lhana,
e, em todo o mundo, quem te contradisse?
teu canto e danças são de tal ledice
que, Rainha és agora e soberana!…

Cantei-te como “Bela Adormecida”,
à sombra da montanha no alto erguida,
onde Santa Luzia tem altar…

Mas fresca aragem te correu as veias
e o Lima, com seu porto e brandas cheias,
deu vida às tuas praias e ao teu mar!…

1995

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